segunda-feira, 13 de junho de 2011

Quem foi Pátañjali ?

 Quem foi Pátañjali?
Por Pedro Kupfer. Fonte www.yoga.pro.br

Se dá o nome de Pátañjali ao mítico codificador do Yoga Clássico, autor do Yoga Sútra. Tudo sobre esta figura histórica é um verdadeiro mistério. Para começar, a data em que ele teria vivido é fonte de discrepâncias. Há autores que afirmam que viveu no século IV a.C. e outros que pensam que tenha vivido entre os séculos II e VI d.C. Tamanha diferença se deve, em parte, ao costume que os autores daquela época tinham de atribuir a autoria dos seus próprios trabalhos a outros escritores já consagrados, para homenageá-los ou para dar relevância à própria obra.

Considerando que ele escreveu no estilo dos sútras ou aforismos, pode se considerar que tenha vivido entre os séculos IV e II a.C., pois foi nesse período que este estilo literário conheceu seu auge. O Yoga Sútra é considerado um dos exemplos mais perfeitos do estilo aforístico.

Uma lenda sobre o nascimento do sábio conta que Vishnu estava descansando deitado na serpente de mil cabeças, Ádishesha, quando viu o deus Shiva dançando e ficou extasiado. Imediatamente seu corpo começou a vibrar tanto no ritmo da dança que acabou por provocar um enorme desconforto na serpente. No final da dança, Ádishesha perguntou ao deus o que tinha acontecido. Ao ouvir sobre a dança, o deus-serpente ficou interessado em aprende-la, para dançar para Vishnu. O deus ficou impressionado com a devoção da serpente e disse-lhe que Shiva iria abençoa-lo e que nasceria em sua próxima encarnação como alguém que iria abençoar a humanidade com sua sabedoria.

Ádishesha começou imediatamente a especular sobre quem seria sua mãe. Ao mesmo tempo, uma yoginí muito virtuosa, chamada Goñiká, estava procurando um filho a quem pudesse transmitir a sabedoria que o Yoga tinha lhe dado. Assim, ela se prostrou diante de Súrya, o deus sol, fazendo-lhe a única oferenda que conseguiu, um pouco de água, e lhe pedindo um filho. Vendo a cena, Ádishesha soube que aquela era a mãe que ele estava procurando.

Quando Goñiká estava oferecendo a água ao sol, ficou maravilhada ao ver uma pequena serpente que se materializou em suas mãos e começou momentos depois a adquirir forma humana. Ádishesha se prostrou então diante da sua mãe e suplicou-lhe para que o aceitasse como filho. Aceitando-o, ela o chamou Pátañjali, que significa "aquele que caiu do céu durante a oferenda." Páta significa caído e añjali, oferenda.
Como encarnação de Ádishesha, ele é representado com forma de nága, um ser metade homem, metade serpente, com quatro braços cujas mãos seguram os atributos de Vishnu: a concha e o disco e fazem o gesto da oferenda, añjali mudrá, abençoando aqueles que se aproximam dele procurando a verdade do Yoga.

Sobre a obra de Pátañjali existem tantas dúvidas quanto em relação à sua vida. Dançarinos fazem-lhe oferendas antes das apresentações, pois é tido como o patrono de algumas danças indianas. Alguns autores o identificam com o autor de um famoso tratado sobre Ayurveda, o sistema de saúde indiano. Outros, com Pátañjali ‘o gramático', autor do Mahabháshya, o Grande Comentário da gramática de Panini, em uso ainda hoje. Esta obra redefiniu as regras do sânscrito, aumentando o vocabulário e transformando esta língua num instrumento mais preciso e efetivo, e ao mesmo tempo mais sutil e poético, capaz de expressar qualquer aspecto do pensamento humano.

Entretanto, as evidências apontam para o fato de que os autores destas obras sobre filosofia, medicina e gramática seriam pessoas diferentes, pois a distância no tempo entre elas é de vários séculos. Comparando o Mahabhashya com o Yoga Sútra se chega à conclusão de que ambas as obras são excelentes na argumentação e as estruturas lógicas que propõem em seus respectivos temas, mas isso não torna os autores a mesma pessoa.

Todas as formas de Yoga que se praticam hoje em dia têm neste autor uma referência obrigatória. Assim sendo, outras três perguntas que surgem neste quadro são de índole mais inquietante ainda. A primeira: foi Pátañjali de fato o autor do Yoga Sútra? Em caso afirmativo, ele fez alguma contribuição original ao Yoga ou foi apenas o compilador e o sistematizador das técnicas que se usavam em seu tempo? E a última questão: ele teria feito parte de um sampradaya, uma linhagem tradicional ou teria sido um reformador?
Sobre a questão de ver este autor como um compilador, temos as duas seguintes situações: por um lado, o Nirodha Samhitá, shástra atribuído a Hiranyagarbha, tido como patrono do Yoga, é chamado com freqüência Yogánushasanam ou o ‘Ensinamento do Yoga', exatamente as palavras com as quais Pátañjali inicia sua obra.

Segundo uma obra chamada Ahirbudhnya, Hiranyagarbha revelou o Yoga em duas escrituras: o Nirodha Samhitá e o Karma Samhitá. E, coincidentemente, Pátañjali usa o mesmo termo ‘nirodha' para definir o Yoga no seu segundo aforismo.

Se ele fez alguma contribuição original ao Yoga não sabemos, mas com certeza podemos afirmar que citou copiosamente fontes anteriores a ele mesmo. Fontes essas que, infelizmente, hoje em dia estão perdidas.
A maior controvérsia diz respeito ao quarto capítulo dos Sútras. O estilo, o conteúdo e a extensão deste páda são diferentes do resto da obra. Nele se repetem assuntos já abordados nos capítulos anteriores. Nos três primeiros, o estilo em que se desenvolvem os temas é acessível e não dogmático. No quarto, entretanto, esse estilo muda. A voz que aqui fala, o faz desde o ponto de vista de alguém que viveu algo, a diferença do resto da obra, onde se ouve falar alguém que ainda está procurando.

Outro ponto escuro é que o terceiro capítulo conclui com a palavra iti, que significa ‘fim' e é a maneira tradicional de encerrar um texto. Aqueles que defendem a unidade dos Sútras como eles estão hoje afirmam que o quarto capítulo é coerente com os outros três, enquanto que os críticos desta posição acham muito estranho ter uma obra com dois finais e consideram o último capítulo uma interpolação posterior.
Sobre as coisas que temos claras, podemos dizer, por exemplo, que algo chamado Yoga existiu com certeza muito antes do tempo em que Pátañjali viveu. Porém, as incertezas históricas em relação ao autor do Yoga Sútra são de pouca importância para quem deseja alcançar aquilo sobre o que a obra fala: tranqüilidade da mente e realização do espírito. Embora possamos questionar a autoria e a origem desta obra, ela é coerente e, como guia prático para a realização pessoal, se sustenta totalmente por si própria.

domingo, 5 de junho de 2011

Palavras Honestas - Monja Cohen


Será que conseguimos ficar em silêncio até que nossa mente esteja tranqüila? Podemos aguardar até que as palavras corretas venham, aquelas que não magoam e são honestas? O que são palavras honestas?"Enquanto tivermos a menor intenção de ter razão, de mostrar ou ensinar algo ao outro, precisamos nos acautelar. Enquanto nossas palavras tiverem ligação com o ego, serão desonestas. As palavras verdadeiras saberão se dizer na nossa aquietação."Joko Sensei, minha primeira mestra zen, falava calmamente, mas era enfática. Tinha grandes olhos azuis, cabeça raspada. Tinha mais de 60 anos, acredito. Interessante.Eu não poderia catalogá-la ou encaixá-la nos padrões comuns. Vestia-se de negro, com o manto monástico, e usava um anel no terceiro dedo de sua mão esquerda. Ou seria a direita? O tempo nos faz esquecer.Procurando na memória, a primeira imagem é o nosso encontro individual. Estava em Los Angeles, na Califórnia.Eu trabalhava no Banco do Brasil como recepcionista e, mais tarde, secretária. Depois de descobrir o zen, todas as manhãs, antes do trabalho, participava da meditação das 5h20. Eram dois períodos de 35 minutos, intercalados por cerca de cinco a dez minutos, durante os quais caminhávamos lentamente. Voltávamos a sentar, de frente para a parede. Havia 30 ou mais pessoas na sala. Não nos olhávamos, não nos falávamos.Depois, éramos convidados a ter uma entrevista com um dos professores. Havia vários, mas Joko Sensei era minha orientadora.Eram agradáveis esses encontros. Muitas vezes, bastava olhar em seus olhos e toda a minha fantasia sobre mim desaparecia.Um raio de luz entrava pela janela. Janela da sala. Janela da mente. Quantas vezes entrei nessa sala de entrevistas. Essa sala poderia ser qualquer espaço. Nenhum valor poderia descrevê-la. Em qualquer lugar que fosse, bastava que Joko Sensei estivesse ali, silenciosa e calma, para que a sala se tornasse o local do encontro com a verdade, a honestidade, a simplicidade, o conhecimento.E como é difícil sermos honestos conosco mesmos. Um antigo mestre zen, Sawaki Kodo Roshi, que havia servido o Exército japonês durante a guerra e depois se dedicara a ensinar a meditação por todo o país, dizia que meditar era apenas o eu com o eu.Estamos mais acostumados a conversar com outras pessoas, a nos distrairmos com televisão, cinema, teatro, música, literatura e Internet. Os intelectuais gostam de intelectualizar. Os professores gostam de ensinar. Mas, ser capaz de ganhar alguns momentos todos os dias, de estar apenas o eu com o eu é a proposta instigadora do zen.Algumas pessoas têm medo da solidão. Correm para festas, centros movimentados de compras, danceterias, sem perceber que muitas vezes estão mais sozinhas.Outras têm medo de gente. Querem se esconder e se assustam com a quantidade de seres que habitam cada um de nós.Sentar-se com a coluna ereta, uma parede lisa. Respirar e deixar que tudo se assente naturalmente, como um copo de água e terra. Se o copo for deixado quieto, em alguns minutos a terra fica no fundo, e a água, em cima. Assim acontece com a nossa mente.A mestra Zen Joko me dizia: "Aquietando-se a mente, a palavra verdadeira surge. A verdade se torna clara e límpida. Não aquilo que chamamos de verdade. O verdadeiro que nem sempre é o que pensávamos ou queríamos que fosse. Mas o que é, como é".Joko Sensei me ensinava a entrar em contato com minhas emoções e sentimentos. Perceber o medo, a raiva, sem mascarar. Não é fácil. É um processo contínuo e ininterrupto. Falar sem magoar ou ofender, sem mentir e enganar. Pensar de maneira a compreender o que está acontecendo, sem absolver, perdoar ou condenar. Agir percebendo em cada ser o sagrado.
Silencio meu ego.
Aperto o botão de mudo.
Agora, convoco a Luz para falar por mim, em todas as ocasiões, de forma que todas as minhas palavras elevem minha alma e toda a existência.

O que é o Yoga ?

  O Yoga que surgiu há mais de 5 mil anos na Índia, se faz uma filosofia de vida atual e moderna. Suas técnicas são simples e eficazes. É uma prática sábia, rica e prazerosa. É um tesouro que, quando adquirido e incorporado sinceramente, nos acompanha para o resto da vida. O Hatha Yoga não é apenas na sala de prática junto ao professor, mas principalmente no dia a dia, no cotidiano, na rua, nos relacionamentos, na vida.O Yoga é uma jóia que se vai lapidando ao longo dos anos e da vida, através do nosso esforço pessoal. É uma senda sem fim de autoconhecimento, aperfeiçoamento interno e transformação em todos os sentidos.
A palavra “Yoga”  da raiz “yug” nos remete a idéia de junção, ligação, conexão. É toda atividade que busca o reencontro,consigo mesmo,com sua essencia mais profunda,com o seu ser mais puro e divino.
      "Atha yogãnuasãsanam"... "Agora teremos a revelação do yoga".(Yoga-sutra,1-1).
      "Yogas citta-vritti-nirodahah"..."Yoga é a cessação dos movimentos da consciência"(yoga-sutra,1-2).
OYoga de Patañjali é um processo de autorealização...!

O que é o Yoga?,Pedro Kupfer.

Muito se fala a respeito dessa filosofia. Muitas definições foram dadas, mas sempre temos a sensação de que alguma coisa fica faltando; de que o Yoga se recusa a ficar aprisionado numa definição. Porque essas quatro letras juntas significam muitas coisas. E o Yoga acaba sendo sempre mais do que as palavras podem dizer. Não inclui a crença em nenhum poder sobrenatural, nem exige fé religiosa. Simplesmente expõe um caminho de auto-análise que pode praticar-se, prescindindo de qualquer teoria, crença antiga ou moderna por parte de quem o pratica. Um caminho que conduz o homem a compreender-se verdadeiramente a si próprio.

Todo mundo já ouviu dizer que Yoga significa em sânscrito união, mas Yoga igualmente significa trabalho, aplicação. Ou seja, Yoga seria o meio e o fim ao mesmo tempo. Jaideva Singh, no comentário do Vijñánabhairava (p. XIII), um texto que ensina técnicas de meditação, afirma:
A palavra Yoga é usada tanto no sentido de união (com o Divino) como no de veículo (upáya) para essa união. (...) Desafortunadamente, nenhuma palavra foi tão profanada nos tempo modernos como a palavra Yoga. Andar sobre o fogo, tomar ácido lisérgico, parar o batimento cardíaco, etc. se consideram Yoga, quando, a bem da verdade, não têm nada a ver com ele. Mesmo os poderes psíquicos [siddhis] não são Yoga. Yoga é consciência; transformação da consciência humana em consciência divina.
Yoga também é liberdade. Libertar-se de condicionamentos e preconceitos em relação à palavra, por exemplo, poderia considerar-se uma forma de sádhana. As palavras não são nem boas nem ruins em si. Nós lhes damos valores e significados que associamos às nossas próprias emoções ou preconceitos. Está escrito na Bhagavad Gítá: Yogah karmashu kaushalam ('Yoga é perfeição em todas as ações'). Essa é uma visão tão ampla como simples da prática: qualquer coisa que você fizer, deve fazer-se como uma prática contínua e constante. Mas aqui temos um paradoxo: a perfeição não existe. Que significa 'perfeição'? A perfeição, assim como o zero, é um dos muitos produtos da capacidade de especulação da mente. Ou seja: não existe. Não é algo preexistente, nem uma verdade tautológica, daquelas que se sustentam por si próprias. A perfeição, diria, não é uma abstração etérica, inatingível, senão um modelo, um paradigma no qual nos espelhamos para transformar a própria existência numa obra de arte, algo digno de ser vivido (e perdoe-me o leitor o mau gosto da frase, mas é para que fique claro). Perfeição aqui significa arte de viver consciente. Nada mais. Pátañjali explica o mesmo com outras palavras:
"Discernimento constante é o meio para destruir a ignorância."
Yoga Sútra, II:26
Embora no início possa parecer difícil, ou incompreensível, chega uma hora em que a sua consciência se expande e você começa a entender. Nesse ponto, o Yoga não fica apenas no plano das idéias, nem se restringe unicamente à sala de prática. Com isso em mente, fazer Yoga é como um jogo que é preciso aprender a jogar desde o início. Um jogo que se joga tanto com a cabeça como com as vísceras. Mesmo se você não tiver nenhuma experiência com Yoga, saiba que suas atividades diárias, como trabalhar, criar os filhos ou estudar, também podem ser encaradas como um sádhana. É por isso que o Yoga é um jogo, cuja única regra é permanecer totalmente consciente o tempo todo, de cada ato, a cada momento.

A frase da Bhagavad Gítá citada acima possui implicações que vão longe e escapam a uma análise fora do contexto adequado a causa da aplicação prática da coisa. Porque se usa, porque funciona para libertar. Jaimini Rishi disse: "o resultado da prática acontece agora". Os outros rishis perguntam: "mas não há outro resultado espiritual, no final?". E ele responde: "quando você obtém um resultado concreto agora, não espere por outro invisível mais tarde".

A experiência é a única coisa que salva o yogi. Se você não fizer, não viver, não experimentar em sua própria carne, não sentir no mais íntimo do seu ser, não adianta ler, pesquisar ou ouvir palestras sobre o assunto. Aliás, o yogi precisa ser crítico. É uma das qualidades básicas para poder avançar na prática. A capacidade de observação, de si próprio e do ambiente, é essencial: estar sempre atento.

Talvez você possa achar, como muita gente, que o Yoga é algo separado de si próprio ou do seu dia a dia. Algo que você 'faz', como ir às compras ou atender o telefone. Você precisa, não apenas fazer Yoga três ou quatro vezes por semana, senão viver em Yoga, 24 horas por dia, todos os dias da sua existência. Esse viver consciente, essa atentividade constante é a essência da prática, mas não se consegue exercendo a vontade. Não adianta apenas querer fazê-lo, nem acontece da noite para o dia. A atentividade constante é o fruto do amadurecimento interior, um processo em que se desenvolve gradativamente a consciência de alerta, que vai expandindo até abranger cada momento da existência.

Por isso, não convém dizer 'eu faço Yoga', pois, em verdade, você não 'faz' Yoga. Ele já está feito! Você 'desliza' para o estado de Yoga (união) em certos momentos. Por exemplo, quando consegue ficar totalmente consciente da sua respiração. E, se quiser transcender mesmo, chegar ao samádhi, deverá manter esse estado constantemente. A 'prática', a técnica em si, funciona apenas como um catalisador que acelera esse processo.

Isso tem a ver com você, com a sua existência, com o seu momento presente, com o ar que entra por suas narinas no mesmo instante em que você está aqui sentado lendo. Daí a intenção implícita no título deste livro (Yoga Prático), já que sádhana significa praticar, fazer a coisa. Se você não for usar o Yoga, para que vai querer estudá-lo? Isso equivaleria a contentar-se com ver um filme sobre uma linda praia, tendo a oportunidade de ir pessoalmente dar um mergulho nas águas transparentes, e depois deitar na areia morna, sentindo o sol na pele e bebendo uma água de coco sob uma palmeira. São coisas diferentes, concorda? A posição do observador (em sânscrito, sakshi, 'testemunha') é fundamental para a prática, mas funciona unicamente desde que o observador seja parte ativa do processo, ou seja, observe, estude e analise, mas que o faça estando dentro da experiência.

Por isso, amigo leitor/navegante, convido você, antes de continuar esta leitura, a sentar bem confortável, com as costas eretas e os olhos fechados. Tome consciência da sua respiração e desfrute intensamente da certeza de estar vivo. Respire fundo, usando toda a extensão dos seus pulmões. Faça isso por pelo menos dez vezes, exalando devagar.

Se, após haver respirado conscientemente por alguns segundos, você tiver percebido alguma mudança no ritmo dos seus pensamentos ou emoções, você conseguiu praticar Yoga. Bem-vindo!

A propósito, quando foi a última vez que você lembrou que estava vivo? Às vezes, quando faço essa pergunta em cursos, vejo rostos assustados... Porque as pessoas esquecem. Esquecem que estão vivas!!! E o Yoga serve para isso, para lembrar. O yogi deve estar consciente a cada momento da existência, assim como você acabou de fazer. A cada inspiração e exalação. O verdadeiro significado de estar vivo só pode experimentar-se quando se está totalmente consciente. Consciente de cada respiração, cada pensamento, cada ato. Tempo, espaço e pensamento não são mais prisões, mas campos da expressão do ser. A verdadeira origem, a fonte do ser, está além do tempo, além do espaço e além do pensamento. A experiência dessa fonte nos dá o conhecimento absoluto, livre de objetos, tempo e memória.

O Yoga funciona em todos os casos. Não é apenas para pessoas sadias ou apenas para doentes, para extrovertidos ou deprimidos. É para seres humanos. E, com isso, não estou querendo convencer você, leitor, nem fazendo parte de um grupo de 'escolhidos' que querem catequizar, 'converter' os pobres mortais que não viram a luz e vivem nas trevas da ignorância e do pecado. Ou, ainda, lhe dar a sensação de haver 'encontrado a Verdade'. Longe de mim essa intenção. Como praticante, sou mais um veículo, um instrumento através do qual o Yoga fala.

Como técnica, o Yoga não está preocupado com explicações. Isso pode resultar repetitivo, mas é tão simples quanto importante, e se impõe deixá-lo claro outra vez. O Yoga quer aniquilar os condicionamentos do indivíduo. Não se limita a nenhum plano teórico, nem quer a substituição do sistema de valores ou mitologias do 'mundo ocidental e cristão' por outro exótico e alienígena, o que poderia parecer uma espécie de escapismo, de resposta desesperada de uma juventude que precisa achar a sua identidade e uma alternativa viável ao terrível vazio que a nossa fria sociedade tecnocrática oferece (e, no lugar de 'fria', você pode colocar seus adjetivos preferidos).

Desde tempos imemoriais, há algo nessa praxis que sempre chamou a atenção. Algo pelo que, até hoje, reis abdicam do poder, para sentar-se num tapete igual ao que nós usamos neste momento para meditar. Por exemplo, sem ir mais longe, na cidade de Indore, a alguns kilômetros do Omanand Yogashram, lugar onde estudamos na Índia, algumas poucas gerações atrás, a família do marajá Holkar simplesmente abandonou tudo para dedicar-se ao Yoga.

Por quê? Por causa daquele assunto velho como o mundo: a sede de poder. Porque o poder verdadeiro não está na prerrogativa de decidir o destino alheio. Da mesma forma, o poder que dá a política ou o dinheiro, ou qualquer outra manifestação dele com maiúscula ou minúscula em que você possa pensar, como um concerto de Wagner, uma pirâmide egípcia ou a montanha de dinheiro do tio Patinhas, são apenas símbolos de algo que está além, e que sempre, em todas as culturas, lugares e momentos da aventura humana, acabam aparecendo sob diferentes roupagens.

O que atrai as pessoas para o Yoga é justamente isso. Porque ele lida com o poder, com a energia, e isso fascina: todo mundo quer ter. Mas o poder verdadeiro só vem com a iluminação. Porém, esse poder não pode obter-se apenas com alguns minutos de pránáyáma e alguns ásanas escolhidos aleatoriamente. Não é de graça. As práticas precisam fazer-se com dedicação e perseverança para revelarem seu efeito real.

E poder para quê? A própria palavra o diz: yuj, unir. Unir tudo: os poderes do corpo, a consciência e a ánima para alcançar o samádhi, a fusão entre o Ser e o Conhecer.
"A unidade da respiração, a consciência e os sentidos, seguida pela aniquilação de todos os conceitos: isso é o Yoga."
Maitrí Upanishad, VI:25.
Esclarecendo um pouco mais, para o Yoga, consciência não é apenas o conjunto das funções psicomentais ou suas manifestações separadas: pensamentos, emoções e sensações. Ela inclui essas funções mas, ao mesmo tempo, está separada delas e pode observar e ser observada isoladamente. Isso é importante para entendermos o papel fundamental que tem essa capacidade da consciência de permanecer como testemunha das suas próprias ações. A consciência é então o pano de fundo sobre o qual pensamentos, emoções e sensações se revelam: um campo vibratório sutil, que torna possíveis as associações e o pensamento, e observa o mundo e os fenômenos como eterna testemunha. Diz a Mundaka Upanishad:
Como dois pássaros dourados pousados no mesmo galho,
intimamente amigos, o ego e a Consciência habitam o mesmo corpo.
O primeiro ingere os frutos doces e azedos da árvore da vida;
o segundo tudo vê em seu distanciamento.
Os dois pássaros representam a consciência individual e a Consciência Universal. A consciência individual ofusca e esconde a Consciência Universal, que faz com que ela pense e perceba o mundo. A consciência é vasta e profunda como o oceano, e abrange todas as experiências e todas as memórias do indivíduo desde o início da existência.

A partir da definição de Pátañjali, "Yoga é a supressão das modificações da consciência", vemos que a prática começa numa sede profunda de transcender os condicionamentos humanos; vemos a necessidade de tornar cósmico o homem, de desenvolver as suas potencialidades para conquistar a iluminação. O método através do qual o Yoga pretende atingir esse objetivo é a execução de técnicas que possuem como único objetivo aniquilar, um a um, os diferentes condicionamentos que escravizam o homem. Os condicionamentos não nos deixam viver em paz e nos fazem repetir os mesmos erros, ano após ano, ad eternum. Para 'sair da roda do karma', ou seja, alcançar a liberdade verdadeira, o yogi precisa aniquilar um a um esses condicionamentos na sua própria fonte: o inconsciente, a parte 'escura' do ser.

Dizem os shastras que o caminho do Yoga começa 'quando o homem consegue quebrar a prisão das suas misérias'. O Yoga parte da condição humana desamparada, nua e crua, e tem o mérito sem par na história do pensamento de descobrir o verdadeiro potencial do homem: o da sua espiritualidade. A vida espiritual sempre começa no conflito interior, na sede de transcendência. E, neste kali yuga, a era dos conflitos, requer muita mais pureza de coração, coragem e determinação que em outro tempo qualquer. O caminho para o samádhi inclui mais lágrimas do que você possa imaginar ao pensar em iluminação. Descobrir, identificar e desintegrar o lixo enterrado no subconsciente dói bastante. Mas não esqueça da constatação de Wayne Dyer: 'não existe caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho'. Esse paradoxo entre lágrimas, lixo e felicidade se resolve ao andar, na prática. Precisamos quebrar o casulo do ego para chegar à essência.

A Katha Upanishad diz que o Yoga é ao mesmo tempo dissolução e emergência, morte e renascimento (Yogah prabhavápyayau). É preciso matar o ego para poder viver. Aliás, sabe o que significa literalmente a palavra samádhi? Samádhi, que se traduz como iluminação, é morte. Entrar em samádhi significa morrer. Morrer em vida. Porque o que há além dessa morte é a experiência da luz. Só que, para ter essa experiência numinosa, como diz Jung, não é necessário morrer. A morte, na real, é a morte do ego, não a do corpo. Anaïs Nin dizia 'não vemos as coisas como elas são, senão como somos nós mesmos'. No momento em que deixamos de ser 'nós mesmos' (o ego), a natureza da realidade se desvela como ela é.

Os ensinamentos do Yoga são somente acessíveis através da praxis: o praticante deve pôr sob o jugo seu corpo, sua mente e sua psique, para alcançar a liberdade interior. Múltiplo em suas diferentes correntes e manifestações, ele é sempre fiel a um modo de ver o homem e de servi-lo: após a severidade e paciência exigidas pela prática, sente-se a calidez da sua solicitude carinhosa por todos e respeito por todo o criado. Seu caminho é radical mas acessível e nos leva à conquista da liberdade mais absoluta. Quando você dá um passo em direção ao Yoga, ele dá cem em direção a você.


(texto retirado do sitehttp://www.yoga.pro.br/ O que é o Yoga?Pedro Kupfer.)